Dayi entrevistou o artista plástico, mestre das modelagens Wilson Iguti. Se você deseja conhecer um pouco mais sobre esse universo aproveite a leitura!
Dayi Dolls: Do seu primeiro emprego na área, que seria em torno de 1974, uma empresa de plásticos pra hoje o que mais mudou na indústria da modelagem?
Muita coisa mudou. Praticamente ajudei muito na área de modelagem, fazendo várias adaptações. Vou citar um exemplo: Naquele tempo usava se muito moldes e formas em gesso. Eu acabei pesquisando e utilizando borracha silicone e resina. Material até então desconhecido por modeladores. Eu comprava em loja de material dentário. Não existia loja especializada em resinas e em materiais para artesanato. Depois vieram os computadores, e eu fiz programação juntamente com o curso de desenho na Escola Panamericana de Arte. Naquele tempo não existia PC, a programação era feito em cartão perfurado, que depois passava para fita magnética e depois para os computadores. Quando veio o PC, acabei fazendo um curso na época de Corel 3, e autocad 11. juntando os dois processos, e comecei a fazer também arte final para embalagem em computadores. Hoje o meu filho trabalha boa parte da modelagem em prototipagem 3D. Temos hoje 10 impressoras 3D. 5 de alta definição no sistema de estereolitografia e 5 de filamento. Não consegui acompanhar o processo e hoje praticamente faço tudo manualmente.
Dayi Dolls: Nesta empresa você era responsável por moldes de personagens da Disney e Turma da Mônica. Sua ligação com os brinquedos vem daí?
Essa empresa chamava Duplex, e era uma empresa grande com 1.500 funcionários. Tinha diversos departamentos. Uma empresa praticamente verticalizada. A principal era a área de confecções de marcas famosas licenciadas, depois a área gráfica e de embalagens, área de estamparia de tecido, e a área onde eu trabalhava que era de displays e bonecos em vacuum forming. Vacuum forming, é um processo, onde você estampa em serigrafia em uma placa de chapa de plástico, e depois vai em uma máquina, e forma o relevo do boneco. Eu fazia os moldes da Disney e da Turma da Mônica. Foi onde conheci o pessoal da Disney e da Maurício de Sousa, que anos mais tarde me transformei no modelador oficial desses dois estúdios.
Dayi Dolls: Em 1981 você abriu sua empresa. De lá pra cá foram muitos brinquedos modelados e maravilhosos por sinal. Quais mais te marcaram? Porquê?
Foi na época em que o Brasil estava em plena crise econômica, e muita gente estava perdendo o emprego. Havia quebra quebra na cidade, e com o risco eminente de perder o emprego, acabei fazendo alguns bicos fora do expediente de trabalho, e acabei montando uma empresa de serigrafia. Fazia dois turnos de trabalho. Até que em 83, eu estava ganhando mais com meu segundo trabalho, do que o salário de funcionário em uma gráfica. Aí acabei saindo e indo definitivamente para a minha própria empresa. Após montar minha empresa de serigrafia, eu também fazia ilustrações em aerografia para agencias de publicidade e editora de livros. Depois acabei também fazendo moldes para vacuum forming, para as empresas que já havia trabalhado. Através desse trabalho, fui convidado para participar de uma exposição no Masp. Foi a primeira exposição de quadrinhos, onde participava diversos artistas, inclusive artistas internacionais, como Osamu Tezuka, do Japão e nacionais como Mauricio de Sousa. Fui convidado porque eu modelava os personagens de quadrinhos para o processo de vacuum forming. Nessa época ainda não trabalhava com modelos em 3D, somente bidimensionais. Nessa exposição, eu poderia também expor meus trabalhos de ilustração, e para isso fui atrás dos originais nas agencias de publicidade. Foi então que a agencia me indicou onde estava o original que eu havia ilustrado para uma fábrica de brinquedos. Estava na parede do escritório de uma fábrica que se chamava Renoplast. Quando fui retirar o original, o dono da fábrica além de me ceder a arte, perguntou se eu não conseguia esculpir modelos para brinquedos, já que ele gastava uma pequena fortuna trazendo modelos da itália. E assim comecei minha carreira em modelagem 3D. Fui na fabrica conhecer todo o processo de confecção de moldes e de lá para cá acabei abandonando a ilustração e dediquei inteiramente a modelagem, criando até hoje, praticamente mais de 4.000 trabalhos. A última contagem que fizemos oficialmente foi a 10 anos atrás, com mais de 3.000 modelos produzidos e comercializados no mercado. Trabalhos mais conhecidos posso citar primeiramente na área de promocionais. Campanha da galinha azul da Maggi na década de 80. A Nestlé precisava fazer uma campanha para divulgação do caldo de galinha Maggi da Nestlé. Para isso abriu uma concorrência, onde a agência que conseguiu um melhor projeto ganhava a conta do Caldo de Galinha Maggi. Uma agência me encomendou um protótipo funcional de uma galinha baseado em uma galinha amarela que a fábrica de brinquedos Rosita fabricava. Me mandaram a arte da galinha azul, e no projeto precisava que a peça fosse o mais barato possível, e com menos mão de obra para que pudesse atingir um custo que eles precisavam. Portanto, a peça só tinha uma pintura. A cor azul das penas. O resto era só encaixa, com as peças injetadas na cor. Assim o promocional que foi planejado para 1 milhão de peças, acabou virando em uma super promoção de 8 milhões de peças. Um dos maiores recordes, incluído inclusive no livro da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Tenho lá no livro 4 trabalhos.
Dayi Dolls: Que bonecos e bonecas de artistas você já assinou?
Xuxa, Angélica, Eliana, Wanessa Camargo, Sandy, Kelly Key, Miriam Rios, Mara Maravilha, Zezé di Camargo e Luciano, Luan Santana, Restart, Supla. Personagens da Warner, Marvel, Disney, Cavaleiros do Zodíaco, Jaspion, Changeman, Jiraya, Robocop, Thundercats.
Dayi Dolls: Iguti nosso blog tem uma profunda ligação com o mundo das fashion dolls, em especial a saudosa Susi, da brinquedos Estrela. Sabemos que já fez diversas modelagens para a marca. Pode compartilhar com a gente quais foram os bonecos e bonecas que modelou pra eles?
Com relação a Susi, eu remodelei ela em duas fases. Após o relançamento em 1997. Hoje eu não sei se a cabeça é a que fiz, porque houve muita mudança ultimamente por lá. Mas vi que o Beto ainda é minha modelagem. A Estrela é unica empresa nacional que não deixa eu assinar.
A Susi foi lançada em 1966, e em 1985 parou ser fabricada, porque quando a Estrela pegou a representação da Barbie, a Mattel exigiu que tirassem ela de circulação. E assim a Susi só voltou depois que a Estrela perdeu a licença em 1997. Quando então a Marlene, do departamento de criação me procurou. A primeira coisa que pediram é que tirassem o pescoço grudado na cabeça, e colocasse no corpo, como era a Barbie. Fizemos alguns protótipos com relação ao tamanho da cabeça. Isto porque a Susi tinha a cabeça bem maior que a da Barbie, e por isso resolveram que faria uma tamanho intermediário, para que a passagem do tamanho fosse mais imperceptível. Outra característica é que eles preferiram manter o olho postiço, de acrílico, em vez da pintura como da Barbie. Essa cabeça ficaria então por 1 ou 2 anos, e depois faria outra cabeça mais próxima ao tamanho da Barbie. Assim foi feito.
Pediram também que eu fizesse o namorado da Susi, que foi o Beto. Infelizmente as fotos antigas estavam em disquetes, que foram descartadas, e no computador que foi roubado.
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| Foto de Gisela Castro |
Dayi Dolls: Como seria o mold face ideal de uma boneca assinada por você para ser chamada de 100% brasileira?
Uma boneca que considero 100% brasileira, foi a boneca da Mara Maravilha. A maioria das bonecas seguem um padrão de fora do país, e você só faz a cabeça modelada aqui. O corpo, quando não é copiado diretamente, a gente modela seguindo o padrão de uma amostra trazida pelo cliente, que como falei geralmente é internacional. No caso da boneca da Mara Maravilha, foi dada total liberdade de eu fazer tudo, sem seguir nenhum padrão estrangeiro. Portanto eu fiz o corpo um pouco mais com curvas e menos magra. Eu considero essa uma das bonecas mais bonitas que fiz, e inclusive é a minha preferida. Essa é 100% brasileira!
Dayi Dolls: Hoje enfrentamos uma crise financeira que foi intensificada por causa da covid-19. Isso vem mudando muitas coisas. Com sua experiência profissional o que acha que acontecerá com o mercado de modelagem e de brinquedos?
Hoje as coisas mudam muito rapidamente. Antigamente os personagens duravam uma eternidade, como são os personagens da Disney, da Turma da Mônica. Mas hoje os personagens não duram nada. Faz um grande sucesso e de repente somem. Podemos citar Galinha pintadinha, Pepa, Patati Patatá, e outros. Os personagens duram de 1 a 3 anos e somem do mercado.
Depois que se abriu o mercado internacional e com a invasão dos produtos da China, muita coisa mudou. Agora com o advento das impressoras 3D, as coisas ficaram menos românticas e mais automáticas.
Um desenho animado feito no computador os personagens ficam tão simétricos, que você inconscientemente percebe que não é natural. Você pode pegar a foto da pessoa mais linda do mundo, colocar no computador e fazer uma cópia espelhada e sobrepor sobre o rosto original, e você verá que ninguém tem o rosto totalmente simétrico. Eu mesmo quando vejo um desenho ou uma escultura, percebo o que foi feito manualmente e o que foi feito no computador. Lembra dos desenhos da Disney de antigamente, e como são os de hoje?! A tecnologia veio para ficar, portanto o homem se adapta ao tempo, e o romantismo vai ficar para trás. Outro dia estava conversando com alguns amigos sobre isso. Vai chegar um dia, que uma impressora vai ter cartuchos com células humanas reproduzidas artificialmente, sangue artificial e vai imprimir um órgão humano, como fosse uma peça qualquer. kkkkkkkkkkk...
Gostaria muito de agradecer primeiramente ao querido Wilson Iguti. O conhecimento que ele tem sobre o mundo da modelagem é incrível! Sou muito grata pela simpatia e disposição para responder nossas perguntas. Confesso que fiquei muito alegre com a participação na entrevista. Cresci muito com esse pequeno papo. E caso queiram conhecer mais do Iguti é só procurar nas redes sociais por @wilsoniguti ou pelo seu livro "Expressiva Modelagem Manual de Wilson Iguti".
Reportagem: Dayi Dolls
Revisão de texto: Michel Maia.
